Aborto - Reportagem

Há tempos foi-me pedido que desenvolvesse uma reportagem com tema livre. Eu e uma amiga decidimos fazer sobre o aborto, já que tinham pasado poucos dias do referendo e era então um tema com critério de actualidade. Gostava de a publicar aqui, já que foi um trabalho que me deu bastante gozo tanto a nível da pesquisa como a própria redacção.

- O SILÊNCIO DOS INOCENTES -

Pela segunda vez, no espaço de nove anos, Portugal foi convidado a pronunciar-se em referendo sobre o polémico e controverso tema do aborto.
Em 1998, a pergunta versava sobre a legalização da prática do aborto. A abstenção abraçou valores na casa dos 60%. Este valor pode ser tomado como uma prova de que o tema ainda era tabu para uma sociedade (que não se considerava) conservadora como a portuguesa.
Este ano, a abstenção rondou novamente os 60%, mas desta vez, toda a mulher que interrompa voluntariamente a sua gravidez, até às dez semanas, deixa de ser forçada a cumprir pena de prisão.
Cátia (nome fictício) vive em Évora. Tem agora 22 anos e trabalha na zona industrial da cidade. Aos 19 anos, a sua menstruação atrasou e por muito segura que estivesse quanto aos métodos contraceptivos utilizados, o temor apoderou-se dela. “Usava o preservativo como método contraceptivo, mas deve ter rompido”, afirma. “Fiquei cheia de medo. Com 19 anos nenhuma miuda quer dizer aos pais que está grávida e foi por isso que pensei em abortar”.
Aborto ou interrupção da gravidez é, como o próprio nome indica, a interrupção (espontânea ou provocada) de uma gravidez antes do final do seu desenvolvimento normal. Muitas pessoas definem-no como a morte do embrião ou feto.
O aborto espontâneo ou desmancho ocorre involuntariamente. O feto ou embrião pode já não ser viável ou morrer depois do aborto. Normalmente os embriões ou fetos mal formados deixam de ter funções vitais antes do fim da gravidez e é isto que gera um aborto. Doenças como infecções (rubéola, varíola, malária) e alterações anatómicas (doenças endócrinas, diabetes, drogas, agentes químicos e outros agentes ambientais) são factores que contribuem para uma possível interrupção da gravidez.
O aborto provocado, ou interrupção voluntária da gravidez (IVG), ocorre pela ingestão de medicamentos ou por métodos mecânicos.
Ainda assim, apesar da actual despenalização do aborto em Portugal, ainda há opiniões divergentes.
Segundo uma médica de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Distrital de Portalegre, “um aborto às 2, 10, 12, 20 semanas é sempre um aborto, não é por mudar a lei que deixa de ser aborto”.
Após abortar voluntariamente, não surgiu no corpo de Cátia nenhuma infecção ou hemorragia, mas das muitas mulheres que abortam clandestinamente, poucas têm essa sorte. Segundo a profissional de saúde, o aparecimento de complicações físicas que não são tratadas, “podem levar à morte”. Ainda assim, “nos últimos tempos, o número de mulheres que chega ao Hospital de Portalegre com complicações decorrentes de um aborto tem diminuído”.
Segundo o Pároco de Portalegre, o Padre João Maria Lourenço, a Igreja é contra a Interrupção Voluntaria da Gravidez, “atendendo em que está em causa uma vida humana”.
Já Ricardo Félix, aluno do 3º ano de Jornalismo e Comunicação da Escola Superior de Educação de Portalegre defende a ideia oposta: “(...) sou nitidamente a favor do sim, porque não podemos penalizar ninguém por tomar uma opção, que tem a ver sobretudo com a própria pessoa”.
Claudia Marques, 1º ano de Jornalismo e Comunicação, da mesma Escola, diz que não sabe se seria capaz de interromper voluntariamente uma gravidez, mas pensa “que devia ser dada hipótese às pessoas de quererem ou não”.
Diz ainda a médica, que para além de complicações físicas, há sempre “complicações psicológicas para uma pessoa que faz um aborto”. No entanto, “fazer um aborto não interfere numa outra gravidez que se queira levar até ao fim”. Além disso, um aborto não é só provocado, podem acontecer abortos espontâneos, “devido a coincidências como uma gripe em início de gravidez, o corpo da mulher não funcionar bem ou ainda por qualquer outro motivo”.
Ainda assim, e como há nove anos atrás, ainda há quem ache que a pergunda referendada deveria ser reformulada. Ricardo Félix pensa que “é uma pergunta burocrática. Assim bem comprida, para ninguém perceber ao certo qual é o seu fundamento”. O Pároco João M.ª Lourenço adianta ainda que o aborto não é a única solução - “Nós não controlamos tudo aquilo que nos acontece e podemos é aprender a lidar com isso. É assim no campo da saúde, é assim no campo das nossas vidas, é assim no campo do trabalho e às vezes nas relações familiares. Portanto, o desafio não é acabar com o que é indesejado, mas «como é que eu me vou relacionar com esta situação»”.

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